27. "No final das contas, a fé não era suficiente."
POV Merida
O meu plano era simples, porém preocupante.
Era certo que um de nós morreria, mas eu não podia demonstrar isso, pois Soluço já estava tenso demais. Um comentário desse tipo só iria piorar a situação.
Banguela fez um pouso suave próximo à borda no penhasco. Nós três nos arrumamos em uma linha defensiva. Eu na direita, Soluço na esquerda e Banguela no meio de nós dois. O plano era simples: Atacar o Morte Vermelha usando fogo e tentar achar uma brecha para que as chamas conseguissem entrar no corpo dele. Na teoria parecia fácil, mas na prática...
“Você está bem?” Perguntei a Soluço que estava tremendo feito louco.
“Estou.” Ele respondeu mentindo.
“Não, você não está.” Falei olhando nos olhos deles. “É só relaxar, se as coisas ficarem feias pode deixar que eu dou um jeito.”
“O que você quer dizer com dar um jeito?” Ele perguntou franzindo a testa.
“Na hora você vai saber.” Respondi piscando para ele.
O viking me deu um sorriso trêmulo e fitou o mar a sua frente. Uma névoa começou a surgir, nos alertando que nosso inimigo se aproximava. Respirei fundo, enquanto uma enorme silhueta surgia em meio à massa cinza. O dragão rugiu e antes que ele pudesse abrir a boca, nós o atacamos.
Uma forte rajada de fogo saiu do meu cajado, enquanto Banguela cuspia bolas de fogo azul e Soluço atiçava as chamas com seu ar. Um ataque perfeito e extremamente letal.
Nosso fogo conseguiu atingir Morte Vermelha em cheio, que revidou imediatamente. Controlei a chamas e fiz com que elas voltassem para seu criador. O dragão rugiu e uma rajada de espinhos feitos de areia negra, saiu de suas costas.
“Essa é nova.” Soluço comentou, balançando seu cajado e fazendo os espinhos se desfazerem.
Sorri de orelha a orelha e usando todo meu poder, fiz uma rajada de fogo atingir as asas do grande dragão. Morte Vermelha rugiu e avançou para cima de mim, com sua boca aberta.
O acertei em cheio com uma rajada de lava e pela primeira vez, um ataque meu pareceu feri-lo gravemente. Ele recuou e se desfez em areia negra. Soluço olhou para mim alegre, mas eu sabia que nosso inimigo ainda não tinha sido exterminado.
“Merida você...” Soluço começou a falar, mas eu o interrompi erguendo a mão esquerda.
A névoa avançou e nos envolveu por completo. Fechei os olhos e apurei os ouvidos, tentando encontrar algum barulho. O som do crepitar das chamas de uma fogueira tomou conta dos meus ouvidos. Abri meus olhos e me virei lançando uma rajada de lava.
Um rugido ecoou pelo penhasco e uma criatura pulou para fora da névoa. Era um grande pássaro de fogo, com garras de ferro. Mesmo tendo pouco conhecimento sobre mitologia, eu podia afirmar que aquilo era uma fênix.
O Piu-Piu avançou para cima de mim e eu lancei uma rajada de lava para cima do bicho. Porém, ela não chegou a ferir a criatura, que irritada cuspiu fogo na minha direção.
Ergui meu cajado, mas não consegui controlar as chamas. Arregalei os olhos e me joguei para o lado, mesmo assim as labaredas ainda conseguiram me atingir e chamuscar meu ombro. Urrei de dor e cerrei minha mão esquerda em punho. Eu tinha sido queimada! Eu, a Guardiã do Verão havia sido queimada!
Vendo eu caída e praticamente indefesa, a Fênix voou até mim. Ela já estava a alguns centímetros, quando Banguela a agarrou e voou para longe. Soluço correu até mim e se agachou ao meu lado.
“Merida! Você está bem?” Ele perguntou alarmado. “O que foi aquilo? Como o Morte Vermelha conseguiu se transformar naquilo? E o que era aquilo?”
“Shh...” Pedi cobrindo a boca de Soluço com minha mão livre. “Eu não sei como ele se transformou naquele Piu-Piu flamejante, mas sei que não posso lutar com aquilo.”
Soluço ficou confuso e então notou a queimadura que havia no meu ombro esquerdo. O viking engoliu em seco.
“O que vamos fazer?” Ele me perguntou fitando o chão.
“Fé, Merida! Tenha fé!” Ouvi uma calorosa voz feminina dizer.
Suspirei e segurei o queixo de Soluço, fazendo com que ele pudesse me olhar nos olhos.
“Nós vamos vencer.” Falei com convicção, firmeza e fé.
Meu viking sorriu e tocou meu rosto com a ponta dos seus dedos. Retribui o sorriso enquanto olhava com desejo os lábios dele. Eles eram tão macios, tão delicados, tão... perfeitos.
Pude ver nos olhos do viking que ele iria me beijar. Ambos nos aproximamos um do outro e ele parou de respirar. Meus olhos se fecharam. Já conseguia sentir o halito quente dele, quando minha queimadura ardeu. Gemi e me afastei de Soluço.
“Mas que droga! Vai ser sempre assim?” Pensei alto e o viking riu.
“Estava pensando na mesma coisa.” Ele falou ainda rindo.
Olhei para meu ferimento e suspirei. Como eu queria que a loira tivesse aqui! O rugido de Banguela soou ao longe. Nossos problemas pareciam que nunca iriam acabar.
“Algum plano, ruivinha?” Soluço me perguntou, enquanto me ajudava a levantar.
“Atacar a fênix e tentar não morrer.” Disse segurando com firmeza meu cajado.
“Um ótimo plano. Mas se esqueceu de que você não consegue controlar as chamas dela?”
“Eu não vou precisar controlar. Só precisarei ter cuidado para não me queimar.”
Soluço me fitou e segurou meu rosto entre suas mãos, depositando um beijo em minha testa. Eu sorri e reprimi um gemido, eu iria fazer guisado de fênix qualquer hora dessas. Um rugido arrepiante cortou o ar, me fazendo estremecer.
“É melhor sairmos da linha de visão da criatura.” Soluço sugeriu olhando ao nosso redor. “Vamos nos esconder naquelas rochas. Assim você vai poder atacar sem medo de ser ferida.”
Eu assenti e ambos corremos para trás das rochas pontudas e solitárias. Minha respiração se tornou ofegante e eu tentei sem sucesso normaliza-la. A maldita queimadura começou a arder, ignorei a sensação e me concentrei no perigo que estava a minha frente.
“Merida eu tenho uma coisa para te contar...” Soluço falou atraindo minha atenção. “Eu estava em dúvida, mas agora eu tenho certeza. Eu te...”
O viking foi interrompido pela fênix que rugiu alto.
“Santo Thor! Será que você não pode me dar uma folga?” Soluço reclamou irritado. “Eu estou tentando me declarar para a ruiva aqui.”
Eu ruborizei e me levantei atingindo a fênix com fogo, bom eu queria fogo, mas o que saiu foram faíscas. Olhei confusa para o cajado e, então, o Piu-Piu atacou, cuspindo um jato de lava. Agachei-me ofegante. Minha cabeça doía e minha visão estava escurecendo. O que havia de errado comigo?
Respirei fundo e fechei os olhos. Alguns segundos se passaram e eu melhorei um pouco. Abri os olhos e notei que Soluço havia sumido. Imediatamente fiquei confusa e Banguela pousou ao meu lado. Ele estava tenso e seus olhos felinos fitavam algo a sua frente.
“Toma isso, sua galinha de quintal!” Soluço gritou completamente alterado.
Levantei-me fitando incrédula a cena a minha frente. Soluço flutuava no ar, muito próximo a criatura flamejante, enquanto uma rajada de fumaça azul turquesa saia do seu cajado. E o mais incrível, era que aquilo estava afetando a fênix.
As chamas do Piu-Piu estavam reduzindo drasticamente e ele pareceu perceber isso, pois logo se desfez em areia negra. Soluço voou até mim pousando ao meu lado.
“Desde quando você faz isso?” Perguntei com os olhos arregalados.
“Desde agora.” Soluço respondeu sorrindo. “Acho que encontramos um meio de derrota-lo.”
Assim que o viking disse aquilo, o Morte Vermelha apareceu na beira do penhasco, cuspindo um jato de fogo.
“Pro chão.” Gritei me agachando e puxando Soluço para baixo.
“Mas que droga! Como iremos derrotá-lo agora?” O viking perguntou exasperado.
Engoli em seco, enquanto o grande dragão continuava cuspindo fogo sem parar. Tudo estava acabado! Minha fé não parecia ser suficiente, para alcançarmos a vitória.
“Ela é suficiente. Você só precisa acreditar.” Ouvi uma encantadora voz masculina dizer. “A esperança é a última que morre!”
Um pensamento me ocorreu e meus olhos se encheram de lágrimas.
“Você tem certeza que ela é a última que morre?” Perguntei em voz alta.
“O quê?” Soluço questionou, não entendendo o porquê de eu perguntar aquilo.
“Sim. Eu já vi isso acontecer.” A voz feminina e masculina disseram em uníssono.
Eu suspirei e tentei não chorar.
“Por favor, tire os dois daqui.” Pedi e Soluço me olhou confuso.
“Merida, você está falando com quem?” Soluço perguntou.
“Eu não sei. A única coisa que eu sei, é que eles vão nos ajudar, isso que importa.” Respondi tocando o rosto dele. “Faz uma coisa por mim?”
“Claro.” O viking respondeu sem pensar.
“Monte no Banguela.” Pedi tentando conter as lágrimas rebeldes que queriam sair.
“Mas...”
“Apenas faça isso.”
Soluço me olhou confuso, mas montou no seu dragão, que estava deitado para não ser queimado pelo Morte Vermelha.
“Desculpe-me por isso.” Murmurei começando a chorar.
“Eu não estou entendo nada.” Foi a única coisa que Soluço disse.
“Logo você vai entender.” Afirmei e o grande dragão parou de cuspir fogo.
Levantei-me e sai de trás da rocha, andando até ficar de frente para o enorme dragão. Segurei meu cajado com as duas mãos e o afastei do meu corpo. No mesmo momento Soluço entendeu o que eu iria fazer.
“Não!” Ele gritou alarmado e o Morte Vermelha cuspiu um jato de fogo na minha direção, no mesmo momento em que eu disparava um rajada de lava.
As labaredas infernais avançaram e queimaram minha pele. O rapaz havia se enganado. No final das contas, a fé não era suficiente. No final das contas tudo acabava.
Tudo chegava ao fim.
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