12. Visãos sobre Um Futuro Sombrio


RAPUNZEL
“Sem dúvida alguma, isso é um sonho dentro de um sonho.” Murmurei, virando-me na cama e afagando seu lindo rosto.
Ele se apoiava num cotovelo, tendo seu corpo voltado para meu. Os maravilhosos cabelos brancos estavam em completo desalinho. A cabeça pendia para um lado, assim como seus lábios frios, que esboçavam um sorriso travesso. O azul de seus olhos nunca foi tão fascinante e envolvente.
Um sonho sem dúvida. Um sonho dos bons.
“Bem, raio de sol, tenho toda a certeza de que eu sou real.” Jack beijou minha mão. “Mas talvez, você queira uma prova.”
Assim, seus lábios frios capturaram os meus, provocando um enxame de sensações e pensamentos incontroláveis. Sua mão gélida envolveu minha cintura e me puxou para si, permitindo-me sentir o batimento de seu coração, sob o tecido fino de sua blusa. Leves tremores e arrepios percorreram meu corpo, de dentro para fora, desde meu coração retumbante, a ponta de meus dedos, enraizados em seus cabelos. Por instantes fugazes; preocupações, deveres e indivíduos desapareceram, deixando-nos perdidos num espaço-tempo único e convidativo.
“Hum... isso é bom. Bom demais para ser real.” Abri os olhos, sendo fisgada por aquelas orbes azul.
O sorriso de Jack se alargou.
“Precisa de mais provas?” Fiz que sim com a cabeça. “Então, tá. Vou lhe dar suas provas, alteza.”
Debruçando-se sobre mim, começou a trilhar beijos frios do meu ombro ao pé da orelha, causando-me mais arrepios e tremores. Suas mãos inquietas deslizaram suavemente pelo tecido do meu vestido, acompanhando minhas curvas, afagando as costas e parando no quadril. Eu estava tão envolvida com seus beijos, que mal percebi quando seus dedos malditos dançaram por minha cintura, iniciando um ataque de cócegas.
“AH! Jack, pare com isso!” Protestei, me debatendo e tentando tirá-lo de cima de mim. Mas o Guardião era muito mais forte. “Jack!”
As cócegas aumentaram. Comecei a engasgar, ficando sem ar, a cada risada dada. Numa investida desesperada, ergui meu joelho e acertei Jack na virilha, fazendo-o gemer e baixar a guarda. Automaticamente, o empurrei para o lado e escorreguei para o outro. Cai da cama, conseguindo virar e apoiar-me, a tempo de impedir que meu rosto batesse com tudo no chão.
“Argh.”
“Sem dúvida isso não é um sonho.” Jack gemeu, infeliz.
Ri e me levantei, sentando na borda do colchão. Jack permanecia encolhido na outra ponta, com as mãos pressionando o local lesionado. A dor preenchia seu rosto, mas sua expressão era tão infeliz, que me fez lançar um olhar divertido para ele e rir novamente.
“Isso... Ria da desgraça de seu amor.” Jack suspirou e sentou, erguendo uma sobrancelha. “Ainda acha que isso é um sonho?”
“Não.” Ri novamente. “Absolutamente, não.”
Jack sorriu e seus olhos correram pelo ambiente. Fiz o mesmo, percebendo que ainda era de manhãzinha e o sol não aparecera. Os objetos do quarto eram parcialmente iluminados pelas chamas incessantes de nossa lareira, que aquecia o ambiente e nos permitia notar duas recentes atribuições na decoração do quarto.
Era um manequim e um cesto de madeira, que continham as mesmas roupas do nosso confronto com o Breu: meu vestido rosa e lilás, e as calças marrons de Jack, juntamente com seu moletom azul riscado de branco.
“Isso não estava aí antes, estava?” Jack perguntou.
Neguei com a cabeça.
“Elinor deve ter guardado.”
“É um tanto nostálgico, não acha?” O olhar de Jack era triste e distante. “Quase como se tudo estivesse se repetindo...”
Estremeci com seu pensamento. Na última vez que enfrentamos as trevas, Jack fora consumido pelas trevas; Merida incinerada; Soluço esmorecido, e eu, envenenada. Todos nós havíamos morrido e nos tornado Guardiões. Mas se a história se repetisse, e o mal de Nyx fosse maior... Será nossa condição nos salvaria? Será que sobreviveríamos mais uma vez? Ou seríamos despedaçados, juntamente com nossos cernes?
Fitei Jack com um pesar no coração. Nosso futuro era escuro e desconhecido, mas tínhamos que ter fé! Por que sem a fé, de que adianta a luta? De que adianta vivermos?
“Jack...” Chamei, esticando-me para tocar sua mão. Ele ergueu seu olhar, me fitando com os olhos úmidos. Engoli em seco e esboçando meu melhor sorriso, afirmei: “Eu sei que as coisas estão ruins, mas confia em mim. Tudo vai ficar bem, ninguém vai morrer. Pelo contrário, vamos nos divertir.”
Jack riu sem humor.
“Nós estamos indo numa busca suicida, loira.”
Ergui uma sobrancelha, sorrindo torto.
“E você conheço algo mais divertido, que isso?”
Jack revirou os olhos, que se alegraram, antes de serem tomados pela malicia. Eles agitou os dedos no ar, dizendo:
“Hum, na verdade, eu conheço sim.”
***
“Uma linda noite sem pesadelos, com o sol quentinho e o ar fresco do outono nos dando bom dia. Não consigo pensar em nada para estragar isso...” Soluço abriu os braços, maravilhado, enquanto o resto de nós revirava os olhos e continuava a caminhada.
O sol terminava de nascer no leste, tendo a lua quase escondida no oeste. Pássaros cantavam, dançando na imensidão límpida e azul, tão tranquilos quanto nós. Entretanto, diferente deles, não fora nada fácil, encontrarmos nossa paz.
Mesmo com uma noite sem pesadelos, todos acordaram melancólicos e receosos. Felizmente, minhas palavras e beijos, foram suficientes para reerguer o ânimo de Jack, que preencheu a monotonia do café da manhã com suas melhores piadas e gracinhas. Desse modo, todos deixaram o castelo, risonhos, tendo a esperança de que tudo ficaria bem (ou “legal”, no caso de Merida).
As amazonas nos seguiram, com a desculpa de estarem numa “patrulha diária”, embrenhando-se nas matas, e movendo-se como um conjunto único e silencioso. Eu podia senti-las em seus esconderijos, olhando por nós, o que reforçava minha ideia de que as majestades as enviaras para “nos proteger”.
“Todos parados.” Merida ordenou, erguendo seu cajado. Seus olhos varreram a mata silenciosa, antes de ela suspirar. “Não é nada. Pensei ter ouvido as luzes.”
“Os wisps? As luzes azuis?” Fada indagou, pairando ao lado dela.
“Yeah. Elas me guiaram até a bruxa da última vez. Pensei que fariam o mesmo agora, que iriam me guiar para meu novo destino.”
“Hum, talvez elas só estejam tímidas. Não é todo dia, que uma gostosura com eu, passa por aqui.” Jack brincou, fazendo a ruiva revirar os olhos.
“Menos, picolé. Menos.” Ela se virou para o resto de nós. “E então? Alguma outra ideia?”
Silêncio. Nem mesmo as Amazonas se manifestaram. Aquela bruxa era alguém que nem mesmo elas conseguiam encontrar, e por algum motivo as luzes mágicas de Merida não queriam ajudá-la. Talvez não fosse seu destino, ou talvez fosse por causa dele mesmo. Talvez as palavras da bruxa fossem tão ruins, que os guias não quisessem que a ruiva as ouvisse.
Mesmo assim, levantei minha mão.
“Eu posso tentar achá-la. Não estou no meu reino, mas se Soluço me ajudar podemos unir nossos poderes e descobrir onde ela está se escondendo.” Sugeri, hesitante, esperando que alguma entidade da natureza se manifestasse e me punisse por contrariá-los. Só que não rolou.
Com o consentimento de todos, retornamos as Callanish Stones, para aumentar a intensidade de nossos poderes. De pé, no centro do círculo, uni minhas mãos as de Soluço. Nossos cajados então se transformavam, em fitas douradas e prateadas, que se enrolaram em nosso aperto, firmando nossa aliança. Encarei os olhos esmeraldas do viking uma última vez, antes de fechar os olhos e me conectar com as estações.
De inicio nada ocorreu, como sempre, mas logo veio o repuxão no pé do estômago, o arrepio, que deixava os nervos a flor da pele e a sensação de leveza como se meu espírito deixasse meu corpo. Uma sequência de paisagens inundaram meus pensamentos, mostrando-me o reluzente sol de Verão banhando as florestas ao amanhecer; sendo seguido das folhas amarelando ao meio-dia com a chegada do Outono; logo caíram ao leve toque do Inverno a meia-noite; e renascendo, por fim, com a presença da Primavera, num novo amanhecer, que mais parecia um anoitecer.
As paisagens deram lugar a reinos e pessoas, que surgiram num fluxo rápido e continuo de cores e sons. No meio dessa confusão, as luzes mágicas surgiram, abrindo caminho entre as árvores e mergulhando cada vez mais na floresta, até revelar uma cabana escondida nas profundezas do pequeno pântano. Ao explorar seu interior, pude ver lindas peças de madeira, diversos instrumentos de carpintaria e duas vassouras varrendo o chão, sozinhas. Vi também uma senhora baixinha de cabelos brancos, cantarolando animadamente, enquanto talhava um vaso de madeira, porém sua forma foi obstruída pela aparição de um corvo maltrapilho, que surgiu grasnando: “Intrusos! Intrusos! Foora!”
Com isso, a visão se perdeu e um profundo sentimento de confusão se abateu sobre mim. Pisquei boquiaberta, encarando um Soluço tão atordoado quanto eu.
“E então? Acharam a bruxa?” Merida inquiriu, inclinando-se na nossa direção.
Ao invés de respondermos, olhamos para nossos cajados, que estavam encolhendo e voltando a suas formas de braceletes, quase como se estivessem assustados.
“Alôu! Idade Média chamando Solucinho e loirinha!” Jack estralou os dedos, no espaço entre mim e o viking. “Gente, vocês estão aqui?”
Assenti, imitando Soluço, que se afastou dizendo:
“Achamos a bruxa, mas o corvo dela fez alguma magia que confundiu nossa mente.” Ele coçou a cabeça. “Eu sei onde fica a cabana, mas ao mesmo tempo não sei.”
Jack riu.
“Sócrates: ‘Só sei, que nada sei.’”
A Fada revirou os olhos.
“È diferente.” Disse, antes que suas penas da cabeça se erguessem e seus olhos se arregalarem de surpresa. “Ei, se o problema é memória, talvez eu possa ajudar.”
Estava prestes a concordar com a ideia dela, quando senti um calafrio percorrer meu corpo e um silvo de vento murmurar: Vem. Olhando na direção da vozinha, me deparei com uma porção de luzinhas azuis, que flutuavam suavemente, deixando um rastro que adentrava a floresta.
“Acho que isso não é mais necessário, Fada.” Jack disse, hipnotizado com os recém-chegados.
A boca da Fada era um perfeito “o” de admiração. Eu imitava Soluço, que estava igualmente encantado e esboçava um sorriso amável.
Só Merida estava de cara feia.
“Eu quase morro chamando por elas. E as malditas surgem do nada para curtir com minha cara.” Reclamava, com o rosto sardento contorcido numa careta. “O certo seria não segui-las, mas como a coisa é importante...”
“Você não tem outra escolha.” Jack completou, sorrindo.
“Ah! Calado, iceberg!”
Ri da birra dos dois e fiz meu cajado assumir sua forma original, com a inconfundível pedra lilás na ponta. Segui, então, a Fada e Soluço floresta adentro, voando ao lado deles, com uma fina e quase imperceptível, áurea amarela ao meu redor. Merida emitia uma áurea similar enquanto voava, sendo este o motivo de nós duas (de elementos mais relacionados a terra) podermos voar.
No rastro das luzes azuis imergimos nas profundezas da floresta, que só fazia escurecer. Quando finalmente alcançamos a cabana da bruxa, o ambiente estava tão escuro que mais parecia noite. Olhei para meus amigos, notando as áureas azuladas dos meninos, e me surpreendendo com o fato da Fada emitir áurea semelhante.
“Agora batemos?” Indaguei, num tom que transbordava incerteza.
Merida tomou novamente as rédeas da situação, batendo levemente na porta. Sons de coisas caindo, um corvo grasnando e objetos sendo revirados, ressoou de dentro da cabana, fazendo a ruiva e o resto de nós dar um passo para trás. Fizemos nossos cajados assumir formas de braceletes, para aparentar normalidade, e esperamos pacientemente a confusão acabar. Após um longo momento de espera, a porta se abriu num rompante, revelando a idosa de minha visão.
Cara a cara, ela parecia muito mais velha, seus cabelos curtos e brancos, tinham leves tons de prata e os olhos dourados, eram grandes ao ponto de serem chamados de esbugalhados. As bochechas caídas, os lábios muito finos, as orelhas grandes, o nariz grande e curvo, e os finos pelos no queixo, complementavam sua aparência tipicamente bruxesca. Juntamente com seu vestido verde manchado e puído, e os brincos diferentes.
“Você!” Ralhou, encarando Merida com um olhar raivoso.
A ruiva cruzou os braços e fez cara de pouco caso.
“Olá, bruxa.”
“Não me chame de bruxa! Meu nome é Jadis!”
“Jadis!” O corvo disse, pousando no ombro da dona.
“Você destruiu minha cabana!” Jadis gritou, totalmente indignada.
“È, mas eu devolvi as peças que comprei.” Merida retrucou, num tom monótono. “Aposto que o dinheiro da venda delas, foi usado para restaurar seu lar, já que sua magia só serve para transformar os outros em ursos.”
“Eu vou é te transformar em urso, se você não sumir da minha vista!” Jadis ameaçou, abanando freneticamente as mãos.
“Hum, isso eu queria ver.” Jack comentou para a Fada, que suspirou, revirando os olhos.
Bem, como eu não queria ver aquilo, entrei na discussão, usando meu melhor tom diplomático:
“Por favor, senhora Jadis, perdoe minha amiga. Ela, assim como todos nós, está passando por uma situação delicada.”
Merida tentou falar alguma coisa, mas Soluço a calou da melhor forma possível: com um beijo apaixonado. Jack assobiou, a Fada riu, mas os olhos de Jadis cravados nos meus, não deu espaço para distrações.
“Nossos patronos nos incumbiram de uma missão difícil, cheia de caminhos desconhecidos e inexplorados. Ficaríamos muito gratos se nos ajudasse, compartilhando seu conhecimento sobre as Chaves do Sol e da Lua.”
Os olhos de Jadis se estreitaram. Ela coçou o queixo com uma mão, e afagou a cabeça de seu corvo com a outra, sem deixar de me encarar por um segundo sequer. Suas orbes douradas pareciam penetrar as profundezas de minha alma, desenterrando cada segredo escondido, remoendo minha dúvidas, brincando com meus anseios e temores. O ar me faltou, meus nervos viraram frangalhos. Começava a ficar sem ar, quando Jadis finalmente piscou, desviando o olhar para o chão. Imediatamente um profundo vazio se abateu sobre mim, inundando com uma sensação estranha, como se minhas roupas tivessem sido arrancadas e tivessem me violado da pior forma possível.
De imediato, Soluço se remexeu inquieto ao lado de Merida, lançando-me um olhar preocupado. Jack sentiu meu desconforto, e rapidamente veio até mim, abraçando minha cintura e me transmitindo uma onda calma e serenidade. Seus olhos capturaram os meus, parecendo dizer: Relaxe, eu estou aqui.
Não pude deixar de sorrir para ele.
“Então, bruxa. Já se decidiu?” Merida questionou, cruzando novamente os braços.
“Já disse que não é para me chamar assim! Meu nome é Jadis!”
“Mas Jadis quer dizer bruxa em persa.” Fada comentou confusa.
A bruxa nada disse, apenas encarou a Guardiã, que arregalou os olhos, pousando subitamente no chão, como se suas asas tivessem sido congeladas.
Pare com isso.” Soluço e Jack pediram, rosnando em uníssono. Ambos com os maxilares travados e feições endurecidas.
“Vou repetir uma última vez:” Merida anunciou, num tom duro. “Vai nos ajudar, bruxa?”
Jadis nos analisou, calmamente. Mas, embora seus olhos enigmáticos e inquisidores possuíssem um estranho brilho, eles apenas “olharam” mesmo.
“Irei ajudá-los.” Ela afirmou de má vontade. “Mas só quero as princesas comigo. O insolente, a mariposa e o esqueleto, tem que ficar aqui.”
“Nada feito.” Jack afirmou, abraçando de forma protetora, como se quisesse ficar na minha frente.
Não sei se foi a tensão do ambiente, ou um reflexo da áurea vermelha de coragem, que Merida começava a emitir. Quando dei por mim, estava me afastando Jack e dizendo:
“Nós somos protetoras da criatividade e coragem. Sabemos nos virar sozinhas.”
Jack abriu a boca para protestar, mas meu olhar de não-se-atrevar-a-me-contrariar, o fez calar a boca, limitando-se a deixar a raiva corromper suas lindas feições.
Merida e Soluço trocaram olhares cúmplices e sorrisos maliciosos, como se discutissem mentalmente o destino de Jadis, caso algo acontece conosco. Por fim, a ruiva deu um beijo na bochecha do garoto e sorriu para a Fada, que revirou os olhos como se soubesse do esquema.
“Vamos, loirinha.” Merida disse, ao passar por mim, sorrindo como uma criança na manhã de natal.
Ergui uma sobrancelha, e a segui, sem olhar para trás, entrando no covil da bruxa.
***
O lugar não era o mesmo da minha visão. Era escuro e fumarento, dando a impressão de que não possuía paredes. Em seu centro havia um grande caldeirão de ferro batido, posto sobre chamas verdes. Raízes e plantas desconhecidas pendiam no teto, juntamente de totens, correntes de ossos coloridos e outros materiais inclassificáveis.
“Suas palavras não foram verdadeiras, Rapunzel. Contudo, os caminhos para as Chaves nunca foram inexplorados, tampouco, desconhecidos.” Jadis comentou, me fazendo estreitar os olhos.
Devia ter ficado surpresa com o fato de ela saber meu nome, mas eu sabia que seu olhar tinha conhecido mais que isso. Fora que, suas palavras haviam roubado toda minha atenção.
“Como assim ‘nunca foram inexplorados’.” Questionei, torcendo os dedos de minha mão esquerda.
Jadis sorriu.
“Há séculos os Filhos da Noite buscam as chaves para libertar sua senhora. Poucos foram os que sobreviveram para contar história, ou quase atingiram seu objetivo. Todos eles ignoravam o fato de não serem destinados a isso. De essa ser a tarefa de outra pessoa.” Ela lançou um olhar estranho para nós, como se estivesse sugerindo algo.
Aquilo me deixou incomodada, mas como sempre Merida deu um jeito na situação, indagando:
“E você os ajudou em suas buscas?”
Jadis suspirou.
“Tento não me envolver nessa guerra de Luz e Trevas. Mas sou serva da Magia e do Destino, e ambos protegem os meios para a prisão da Senhora da Escuridão. È inevitável, não me envolver, porém, posso ao menos alertá-los dos riscos da missão, e recitar a profecia.”
“Há um profecia sobre isso?” Perguntei, curiosa.
“Sim. E há morte e tragédia nesse destino, assim como promessas cumpridas e vitória.” Uma expressão mórbida assomou as feições de Jadis, cujos olhos entristecidos caíram sobre nós. “Ainda querem ouvir sua profecia?”
“Sim.” Merida afirmou, confiante. “Queremos ouvir a profecia.”
Jadis suspirou novamente.
“Que assim seja.”
Ela acenou para o caldeirão, que se encheu de água escura e borbulhante. Seu corvo grasnou e levantou voo, arrancando um fio do meu cabelo e jogando-o no caldeirão, antes de dar meia-volta e fazer o mesmo com Merida.
“E uma última coisa.”
Jadis jogou uma pena em sua mistura, acenando para nós nos aproximarmos do caldeirão. Eu estava completamente receosa e assustada com o que poderia ver. Merida era a cara da irritação.
“Ei! Isso é da Fada!” Ela protestou, apontando para a pena que se dissolvia na água.
“Por isso é necessário para o encanto.” Jadis disse, ignorando completamente a cara de indignação da ruiva.
Tirando uma grande colher de sei lá onde, a bruxa mexeu a mistura, murmurando algo numa língua estranha, que nem mesmo eu conhecia.
“Destino, meu senhor, revele-nos seu designíos!” E ao dizer isso, a doida agarrou nossas mãos e meteu em dentro da água quente.
Soltei um grito de surpresa, mas a dor que eu esperava não veio. Ao contrário disso, tive visões estranhas de várias “Rapunzeis” de épocas e estilos diferentes, como se fossem de realidades alternativas. Elas riam, choravam, gritavam e cantavam, ao lado de outros “Jacks”, outros “Soluços”, outras “Meridas”, e outras pessoas que nunca havia visto.
Subitamente, essas imagens foram engolidas pelas trevas, que se desmancharam em cenas horríveis de Corona queimando, Berk sendo engolida por enormes ondas negras, Burgess ficando preto e branco; e a Escócia sendo arrasado pela escuridão eterna. Pessoas choravam, crianças gritavam e no meio de tudo isso, uma voz profunda e antiga dizia:
.
“Seis lutarão,
E vitória conquistarão.
A princesa morrerá,
Para as trevas libertar.”
.
E a imagem de um The Big Four aliado a escuridão apareceu, mostrando-me meus amigos e eu com os olhos dourados e pesadelos sob nosso comando.
Um enorme grito de revolta escapou por meus lábios, me fazendo recuar para trás e tropeçar em algo gelado. Em queda livre, agarrei a primeira coisa pela frente, que veio ser o caldeirão, que virou na minha direção, despejando sua mistura em mim.
Ardeu, mas não queimou. O chão de pedra era para abrir um corte na minha cabeça, mas não aconteceu. Aparentemente, meus poderes curativos, tornavam impossível minha pele sofrer algum tipo de dano. Merida jogou o caldeirão longe e me ajudou a levantar. Sua face exibia um misto de preocupação e fúria.
“Pelo amor de Odin, diga-me que está bem.” Ela pediu, olhando-me atentamente.
“Eu estou bem.” Murmurei, sacudindo a saia do vestido e usando o calor de minha áurea dourada para secá-lo.
O olhar de Merida permaneceu sobre mim por alguns instantes, antes de ser tomado pela fúria, dirigida exclusivamente para nossa “anfitriã”.
“O. Que. Foi. Isso?” Indagou, entredentes.
A bruxa, que havia se virado para pegar seu caldeirão, ergueu uma sobrancelha e pôs o utensilio de volta a seu lugar, nem um pouco intimidada pela ruiva.
“Isso foi o futuro.” Jadis respondeu, num tom casual, como se todo dia, as pessoas caíssem e se queimassem em sua cabana.
Merida abriu a boca como se fosse dizer algo, mas a fechou e suspirou, agitando a mão no ar, como se deixasse o assunto para lá.
“E quanto a localização das Chaves?” Ela perguntou, num tom mais relaxado.
“A Chave da Lua esteve escondida sob muitas formas, protegida sempre pelas bruxas, servas da Magia. Aparentemente, em seu último encontro com Gothel, você jogou Liadam no oceano ártico, princesa.”
“Sim, a adaga.” Merida recordou, evocando a minha lembrança sobre o assunto.
Tínhamos ido atrás do cajado da ruiva, quando nos deparamos com Gothel e nos separamos. Coisas aconteceram, e depois de quase vomitar a bordo do tronco Gob, Merida lançou uma adaga prata no mar, sem me explicar muita coisa. Aparentemente, aquela era a Chave da Lua.
“Olha, não foi muito bem escondida não.” Comentei, ainda com o pensamento longe.
Merida sorriu.
“Bem que senti, que aquilo tinha alguma treta coisa.”
Jadis nos ignorou e continuou sua explicação:
“A Chave do Sol foi divida em três partes e espalhadas pelo tempo. Não vai ser fácil encontra-las, por que elas vivem mudando de lugar, porém há um artefato mágico que pode solucionar esse problema.”
“Ótimo. E onde ele está?” Indaguei, cruzando os braços.
“Não possuo tal coisa, mas a profecia foi clara: ‘seis lutarão e vitória conquistarão’. Para obter sucesso, precisarão encontrar o dono do mapa, que deverá ser o sexto integrante de seu grupo de busca. Sem ele, o Destino não estará ao seu favor.”
“E onde o encontramos?”
“Onde a água vira fogo. A mariposa pode lhe ajudar com isso, já que nessa situação, seu tato será ofuscado, Rapunzel.”
Franzi a testa, confusa. Quem era esse cara?
“E ele nos levara as partes da Chave?” Merida questionou, incerta.
Jadis assentiu.
“Ele já encontrou uma peça no passado, mas nunca percebeu o que tinha em mãos. Acho isso maravilhoso... Ele parece ser o tipo de gente, que trocaria até a própria mãe por dinheiro.”
“Não gostei desse cara.” Murmurei baixinho.
“Bom, então vamos indo...” Merida anunciou, me puxando para a saída.
Nos aproximávamos da porta, quando Jadis gritou:
“Esperem! Vocês precisam ouvir o resto da profecia!”
Congelamos em nossos lugares, nos virando de cara azeda para encarar a bruxa.
“Foi mal, mas passamos.” Anunciei, reprimindo as imagens horríveis que voltaram a minha cabeça.
“Vocês não tem escolha.” Jadis sussurrou, acendendo novamente o caldeirão.
Recuei para porta, puxando Merida pelo braço, sem parar de olhar para a velha. Felizmente, quem colocou a mão na mistura foi ela, sendo tomada por uma fumaça verde, que desceu pela sua garganta e mesclou com a cor de seus olhos.
Numa voz profunda, antiga e sepulcral, Jadis falou:
“O Destino, senhor dos caminhos, diz:”
.
Seis lutarão,
E vitória conquistarão.
A princesa morrerá,
Para as trevas libertar.
.
Mas não tema,
Ó minha querida.
Pois quando o sol cai,
É a lua que brilha.
.
Então era isso. Ainda que fôssemos Guardiãs, e a morte fosse um inimigo vencido...
uma de nós duas iria morrer.

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