04. Remexendo no Passado
Toothiana (Fada do Dente)
Breu havia sido derrotado e destruído, mas mesmo assim eu não conseguia relaxar. Eu já havia participado de muitas guerras para saber quando uma só estava começando. Mas isso não passava de uma intuição minha e, segundo Norte, eu deveria ter um prova real para poder convocar os guardiões.
Era um dia normal no Palácio das Fadas, quando tudo começou. Eu estava voltando com as fadinhas da Austrália, depois de uma longa noite de trabalho. O sol estava nascendo e enchendo o palácio de cores e vida. Tudo indicava que seria mais um dia perfeito.
Era um dia normal no Palácio das Fadas, quando tudo começou. Eu estava voltando com as fadinhas da Austrália, depois de uma longa noite de trabalho. O sol estava nascendo e enchendo o palácio de cores e vida. Tudo indicava que seria mais um dia perfeito.
“Cuidado ao guardar, meninas. Não vão querer deixá-los cair.” Comentei e as fadinhas assentiram indo para o pilar onde guardávamos os dentes da Oceania.
A tropa das fadinhas da América do Norte entrou no palácio. A líder delas, Rose, voou em minha direção. Ela tinha sido a única fadinha que Jack conseguiu salvar na nossa primeira luta contra o Breu.
“Lady Thiana.” Rose me cumprimentou por pensamento, fazendo uma breve reverencia com a cabeça. “Solaria disse que alguns dos mortais do Sul estão lembrando-se da Hora do Pesadelo. Sugiro que refaça seu encanto o mais breve possível.”
“Sim, Claro, Rose. Cuidarei disso imediatamente.” Concordei indo até o pilar onde ficavam os dentes recolhidos da América do Sul.
A Hora do Pesadelo foi o nome que as fadinhas deram para o tempo em que Breu conseguiu mergulhar o mundo em trevas. Esse acontecimento durou apenas uma hora e por causa disso surgiu o nome. Para as pessoas esquecerem, eu usei a névoa das memórias para alterar as lembranças do ocorrido. Porém, sempre havia mentes que eu não conseguia enganar.
Voei até o pilar onde os dentes sul-americanos estavam guardados e evoquei minha varinha de condão prata. O processo da névoa era bem simples. Eu a conjurava usando a varinha e a direcionava para os dentes, que apesar de estarem longe dos seus donos, ainda possuíam uma conexão com eles. Graças à névoa, eu podia manipular as lembranças e fazer com que as pessoas lembrassem-se do que eu quisesse. O único guardião que sabia desse meu poder era o Sand. Os outros apenas especulavam sobre o assunto.
Limpei minha mente e suspirei, sentindo a névoa ser conduzida de mim para a varinha como se fosse um canal. Uma fina névoa azul saiu da varinha e caiu como uma cascata sobre o pilar, abrindo as caixinhas dos dentes e deixando-os azuis. Vi o terror que Breu causara pelos olhos de milhares de pessoas. Travei o maxilar, tentando não me ligar ao medo delas. Tentando fazer com que a luz preenchesse as lembranças daquelas pessoas, que estavam sendo atormentas pelas forças negras. Só que não foi fácil conseguir aquilo, algo estava diferente. As lembranças estavam carregadas de um medo puro e autentico. Um medo de que eu só havia ouvido falar a muito tempo atrás, nas histórias que uma velha amiga me contara.
Busquei o poder da lua dentro de mim e o canalizei através da varinha. A névoa engrossou e assumiu um tom azul elétrico, fazendo com que as lembranças não se alterassem, mas que se apagassem, eliminando os vestígios do poder das trevas na mente daqueles inocentes. Arfei e só então percebi que estava prendendo a respiração durante todo aquele tempo. A varinha desapareceu já que eu não precisava mais dela, o que me deu a liberdade para me apoiar no pilar em busca de apoio. Como eu e as fadinhas possuíamos um elo mental, elas souberam do meu mal estar na mesma hora.
“Lady Thiana! Lady Thiana!” As fadinhas chamaram-me angustiadas, cercando-me e colocando suas mãozinhas em meus ombros.
“Espaço, garotas. A lady precisa de espaço.” Violet, a líder das fadinhas da Europa pediu e imediatamente as fadinhas a obedeceram.
“O que houve milady?” Rose perguntou olhando-me nos olhos.
“Tem algo errado. As trevas estão mais fortes.” Expliquei com a voz embargada, fitando as fadinhas que me cercava. Eram tantas que nenhum ser humano conseguiria viver para contar.
“Breu está voltando?” Uma fadinha chamada Mabel perguntou.
“Não. È outra coisa. Algo mais antigo, mais cruel e mortífero.”
“Uma força negra antes de Breu? Eu não sabia que isso existia.” Branca, a líder das fadinhas da Ásia confessou surpresa, enquanto as demais fadinhas se entreolhavam e cochichavam entre si.
“Poucos são o que sabe, mas...”
Me interrompi ao sentir um vento forte entrar no palácio. A temperatura caiu drasticamente e quando eu olhei para o horizonte vi uma nuvem negra se aproximando.
“Todas as seus postos!”
Imediatamente as fadinhas se dispersaram, agrupando-se em volta dos pilares de onde elas eram coletoras. Rose, Violet, Branca, Solaria e Lis ficaram ao meu lado, prontas para o ataque. Evoquei minhas espadas e as fadinhas invocaram as delas, que eram do mesmo modelo que o meu: um espadim com a lâmina feita de prata e o punho de arame feito de metal lunar. Um metal azul, forte e resistente.
“Contra o que vamos lutar?” Solaria, a líder das fadinhas das fadinhas da América do sul, perguntou preocupada.
“Eu ainda não sei, mas creio que é algum tipo de pesadelo.”
A nuvem entrou no palácio e preencheu cada canto dele. Logo vi que se tratava da areia negra de Breu, só que com uma textura diferente. A areia se moveu pelo ar e de dentro dela saíram vários corvos que avançaram para cima das nossas gargantas. Cortei pelo menos uma dúzia deles, voando e tentando acabar com o máximo possível, porém para cada um que se dissipava cinco se formavam.
“Pense, Toothiana. Pense”. Murmurei para mim mesma tentando me lembrar do que ouvira falar sobre os pesadelos mais antigos.
Se eu não estivesse enganada, todos eles eram ligados a um pesadelo, que se fosse morto faria com que todos os outros desaparecem. Olhei ao redor e vi as fadinhas lutando bravamente, apesar de a maioria estar sendo ferida. Mergulhei na nuvem e tentei localizar o mestre pesadelo, sendo bicada várias vezes durante o processo. Canalizei o poder da lua para minha espada, fazendo que ocorresse o mesmo nas espadas das fadinhas. Rasguei vários pesadelos, até finalmente chegar ao centro da nuvem.
O mestre pesadelo era um corvo tão grande, que chegava a ter o mesmo tamanho que o dragão de Soluço. Ele tinha as asas abertas ao máximo e seus olhos brancos me encaram em desafio. Grunhi e me desloquei na direção dele, mas vários corvos surgiram da nuvem e começaram a bicar meus braços numa tentativa de me fazer largar as espadas. Girei as espadas no ar e cortei o máximo de pesadelos que pude só que os danados se reconstituíam no mesmo minuto.
A espada que estava na minha mão esquerda caiu no chão e os corvos avançaram determinados, bicando todas as partes do meu corpo. Um deles começou a bicar minhas asas e outros imitaram seu gesto. Gemi e senti minhas forças se esgotarem, a medida que a luz azul da lamina de minha espada se apagava. Minhas asas começaram a falhar e eu fui perdendo a altura bem lentamente.
“Força, Thiana. Lembre-se do poder das memórias.” Ouvi o Homem da Lua dizer em minha mente, o que me fez racionar.
As lembranças de todos não ficam somente guardadas no pilares. Aquelas que são muito valiosas, eu guardo em minha mente, o que ajuda a lidar com coisas que são desconhecidas pela maioria. Para vencer aquela batalha, eu invoquei as lembranças de uma pessoa especial: O Homem da Lua, que uma vez já foi humano e era conhecido como Czar Frederick Lunar.
Quando as lembranças da batalha Czar tomaram conta de minha mente, o poder da lua se fortaleceu e minhas forças se renovaram. Minhas asas se curaram e cortaram os malditos corvos que as bicavam, enquanto eu cortava todos os pesadelos que tentavam barrar meu caminho até o mestre deles. Voei como um jato na direção do mestre pesadelo e movi minha espada azul para trás, antes de fazer um arco no ar e cortar o pesadelo ao meio. A nuvem se desfez no ar e os corvos viraram poeira negra. Cai esgotada no chão do castelo e minhas espadas sumiram, assim como as das fadinhas. Ergui a cabeça e vi a destruição ao meu redor.
Cada centímetro do castelo estava coberto por areia negra. Haviam fadinhas jazendo no chão e outras caindo devido aos ferimentos. Os pilares estavam intactos e as fadinhas curandeiras que haviam sobrevivido começavam a colocar os feridos lá, usando como um centro de apoio. A visão das minhas fadinhas mortas foi demais para mim e eu não pude impedir as lágrimas que começaram a rolar.
Por que logo eu? Por que não os outros? Pensei, enterrando o rosto em minhas mãos. A oficina do Norte era praticamente a base de operações dos guardiões. Lá era um lugar muito mais importante do que o Palácio. Por que se dar o trabalho de nos atacar?
“Milady...” Rose sussurrou e ao olhá-la vi que ela tinha ferimentos em sua cabeça. “Solaria se foi...”
Não...
“Ela não conseguiu se defender.” Rose continuou com a voz chorosa. “Nós tentamos protegê-la, mas os corvos pareciam tê-la como alvo principal. Todos estavam em cima dela.”
“Onde ela está?” Perguntei por pensamento, pois não conseguia achar minha voz.
Rose engoliu em seco.
“Não restou nenhuma parte dela.”
Encarei a fadinha em choque. Solaria não existia mais. A Solaria que foi uma das primeiras fadinhas a me seguir, aquela que me ajudou a achar a varinha das memórias, agora não era nada. Minha raiva ofuscou minha tristeza. Eu iria encontrar a mandante desse ataque e a faria pagar pelo crime que ela cometeu. Mas, para isso eu precisava descobrir a verdadeira história. Eu precisava saber quem era Ela.
“Ajude a Red com os feridos e mande Branca cuidar do enterro de nossas irmãs, Rose.” Ordenei para a fadinha, me erguendo do chão e afastando-me dos pilares.
“Aonde a senhora vai?” Rose perguntou, me seguindo.
“Para o lago das lágrimas. Preciso saber mais sobre Ela.” Respondi, aumentando a velocidade do meu vôo e deixando uma fadinha confusa para trás.
***
O Lago das Lágrimas era um recanto secreto que apenas eu e as fadinhas ladinas conhecíamos. A entrada dele ficava localizada no desenho que me retratava coletando os dentes e dando o dinheiro para as crianças e a água do lago na verdade eram as lágrimas que a maioria das pessoas deixaram cair.
Quando as pessoas ficam tristes, a maioria delas chora para aliviar sua dor. As lágrimas que elas produzem são coletadas pelas fadinhas ladinas, que são criaturinhas minúsculas do tamanho de uma unha. Elas coletam as lágrimas e as depositam no lago, para caso os guardiões precisem lembrar-se de alguma tragédia antiga. Ao redor do lago florescem flores de lótus, que correspondem aos donos das lágrimas. Quando precisamos lembrar-nos de algo, pegamos uma pétala da flor e a colocamos no lago. As lágrimas da pessoa serão invocadas e as cenas que elas presenciaram serão refletidas na água. Porém, até aquele momento, nunca precisamos usar o recanto.
Toquei no desenho, que desapareceu revelando uma entrada redonda para o lago. Entrei no recanto e sobrevoei o lago azul claro, pairando sobre o conjunto de pedras onde as flores ficavam fechadas e escondidas nos espaços entre uma pedra e outra. Passei as mãos por cima das flores, que se abriram ao sentir minha presença. Vários rostos encheram minha mente, até que eu localizei o que eu procurava. Sentei-me na beirada do lago e observei a flor, antes de arrancar uma pétala e jogar na água. Em menos de dois segundos a mágica aconteceu.
Alguém estava observando uma mulher pálida de cabelos negros e olhos azuis intensos. Ela sentada em uma cama de lençóis cinzas e tinha uma recém-nascida no seu colo. A bebê era parecida com a mãe, exceto pelos olhos que eram verdes escuros e seus cabelos negros que tinham mechas castanhas.
“Vem para cá, Lilith.” A mãe de Lilith a chamou e a garotinha correu até ela, sentando-se na beirada da cama.
“Como vai ser o nome dela?” Lilith perguntou acariciando a face de sua irmãzinha.
“Que tal Sirena? Esse olhar dela vai encantar qualquer um.” Seraphina comentou e Lilith sorriu, mas depois ficou confusa.
“Por que os olhos dela são dessa cor?” Lilith perguntou e Sirena bocejou, movendo seus lábios finos.
“É porque ela nasceu com um dom especial. Um dom diferente de todos os outros aqui.” Seraphina respondeu beijando a testa da neném.
“Que dom?” Lilith perguntou e a vela que iluminava o quarto se apagou, porém todos os presentes podiam ver com clareza. “Mamãe?”
“Estou aqui, querida.” Seraphina respondeu com a voz trêmula. “Segure sua irmã, um momento querida.ʺ
Lilith obedeceu a sua mãe, que correu para portas e a trancou sibilando algo numa voz sussurrante. Seraphina acendeu a vela novamente e correu até o guarda-roupa. As roupas dentro dele desapareceram dando lugar a escuridão.
“O que está havendo, mãe?” Lilith perguntou reconhecendo o medo por trás da máscara de tranqüilidade de sua mãe.
Seraphina foi até sua filha e se ajoelhou aos seus pés.
“Lilith me escute. Atrás daquela porta há os piores pesadelos que já existiram nessa terra. Eles vieram levar sua irmã, mas não vamos deixar isso acontecer.” Seraphina umedeceu os lábios e continuou. “O guarda-roupa vai levar vocês para um lugar seguro. Longe desse mundo.”
“Mas, mãe...”
“Sem mas, Lilith. Entre no guarda-roupa e fuja com sua irmã!” Seraphina ordenou pegando Lilith pelos ombros e a conduzindo para o guarda-roupa.
“E o papai? Ele vai vir te proteger?” Lilith perguntou, mas sua mãe a ignorou e a jogou dentro do guarda-roupa. A garotinha começou a chorar. “Mãe!”
“Seja forte, filha.” Seraphina disse e fechou as portas do guarda-roupa.
O lago voltou ao normal, antes de mostrar uma nova cena.
Estava frio e o clima só piorava a medida que Lilith caminhava por uma sala, que tinha pesadelos de olhos brancos andando pelas paredes. No fim dessa sala havia um trono enorme feito de ferro negro. Sentado nele estava uma mulher pálida, que tinha uma tiara prateada em seus cabelos negros presos num rabo de cavalo. Ela usava uma túnica grega branca e possuía olhos totalmente brancos, seus dedos esquálidos seguravam um cetro que tinha um crânio humano e seus lábios rubros estavam curvados num sorriso assustador. Lilith parou um pouco longe do trono e se ajoelhou no chão frio, fazendo seu vestido gótico ondular ao seu redor. A mulher moveu o cetro chamando Lilith, que se levantou, alisou seu vestido e se aproximou do trono mantendo a cabeça baixa.
“Apresente-se.” A mulher ordenou e sua voz fria ricocheteou pelas paredes.
“Sou Lilith da casa Black. Descendente legítima de Javes e a primeira noturna em mil anos a possuir o dom de manipular as mentes. Estou aqui para cumprir o juramento do meu pai e servir vossa senhora para todo sempre.” Lilith se apresentou usando um tom frio e monótono.
“Para sempre é muito tempo.” A mulher disse remexendo-se em seu trono.
‘Você não dura tudo isso’ era o que Lilith gostaria de dizer, mas ao invés disso respondeu:
“Tentarei me manter viva até o fim dele.”
A mulher sorriu satisfeita.
“Sendo assim, seja bem-vinda ao exercito de Lady Nyx, minha jovem.”
Lilith sorriu e deixou uma lágrima escapar dos seus olhos, torcendo para que Nyx achasse que ela fosse de alegria, e não de agonia.
O lago se acalmou novamente e mostrou uma nova cena.
Lilith estava correndo por uma rua escura, tudo ao seu redor queimava. No céu, um eclipse lunar ocorria causando pânico por todo mundo negro. Um portal se abriu em frente de Lilith e ela entrou nele, antes que pudesse evitar. Lilith foi parar num beco deserto e sem saída. Ela olhou ao redor e viu uma pessoa sair das sombras. Ele tinha a pele pálida e seus cabelos negros batiam em seu queixo. Seus olhos escuros encaravam Lilith com tristeza e suas vestes negras de general estavam sujas de sangue, assim como sua espada e sua capa surrada. Era Kozmotis Black, o pai de Lilith, que ainda iria se tornar Breu.
”O que você quer, Kozmotis?” Ela perguntou com o maxilar trincado.
“Quero te deixar segura.” Kozmotis disse com a voz preocupada.
“Desculpe, mas eu preciso salvar Nyx. Ela me fez prometer que eu iria libertá-la, e você sabe como é a palavra de um filho da noite.” Lilith rosnou, fuzilando Kozmotis com seu olhar gelado.
“A palavra é lei. Você morre se não cumprir.” Kozmotis meneou com a cabeça e guardou sua espada na bainha. “Por isso estou aqui. Eu prometi que te deixaria segura.”
“Eu quase morri nas últimas duas horas. Não sei se você reparou Papi, mas nosso mundo está sendo destruído pelos Viajantes.”
“Você ainda está viva e eu vou cumprir minha palavra, eu vou te tirar desse mundo. A legião irá protegê-la.”
“A Legião das Sombras? Aqueles malditos rebeldes que não sabem seu lugar?” Lilith perguntou com desdém. “Essa foi boa. Agora só falta você querer que eu me una aos Viajantes Dourados.”
“A lady deles irá te proteger. Ela me prometeu que garantiria sua segurança no outro mundo.”
“Traidores.” Uma voz metálica disse e um homem careca surgiu das sombras. Era Gion, o pai dos piratas. “Eu sempre soube que os Black tinham um sangue sujo. Quando vocês se aliaram a Nyx, eu sabia que tinha algo mais. E agora vejam só: os dois fazem parte da Legião.” Gion gargalhou e gritou para as sombras: “Isso não é hilário companheiros?”
Lilith estremeceu e quatro figuras saíram das sombras. O primeiro era um corvo de asas pontiagudas e afiadas, o segundo era um cavalo cinza, o terceiro um cadáver de carne escura e o quarto um grande lobo de olhos brancos. Eram Nisan, Spirit, Tus e Apollyon, que assim como Gion, comandavam um dos cincos exércitos da Lady Nyx.
“Você nos traiu, Kozmotis.” Nisan sussurrou e Apollyon encarou Lilith com pesar. Ele e Lilith haviam desenvolvido uma grande amizade e agora seria uma pena ter que matá-la.
“Não, eu estou sendo realista. Nyx está sendo aprisionada, nosso mundo está sendo destruído e nosso poder está enfraquecendo. Confessem, vocês precisam de um novo mestre.” Kozmotis disse num tom persuasivo e os generais se entreolharam. “Precisam de um novo mestre e eu me candidato para esse papel.”
“Você pirou?” Lilith perguntou subitamente preocupada com seu pai. “Eles vão entrar em você, possuir sua mente e poluir sua alma.” Lilith agarrou o braço de Kozmotis e o encarou. “Você vai se tornar um cara ruim, pai.”
A palavra ‘pai’ fez Kozmotis paralisar por um segundo. Desde quando Lilith foi obrigada a se aliar a Nyx, ela começou a chamá-lo pelo nome e tratá-lo com hostilidade e frieza.
“Eu sou um cara ruim, Lilith. Eu não protegi sua mãe. Eu matei sua irmã e te forcei a se aliar a Lady das Trevas. Ruim é pouco para descrever o que eu sou.” Kozmotis disse num tom amargo e afastou o braço de Lilith com agressividade.
“Isso! Aja como um idiota, seu babaca!” Lilith rugiu, ao ver Kozmotis caminhar na direção dos generais. Kozmotis abriu os braços e os generais se transformaram em areias negras avançando na direção dele. “Não!” Lilith gritou e lágrimas rolaram sob face quando os generais possuíram Kozmotis. Mãos frias taparam sua boca, sufocando seu grito angustiante, enquanto a puxava para dentro de um portal negro.
O pai de Lilith já não era mais o general Kozmotis. Ele era Breu, o Rei dos Pesadelos.
***
Para saber mais sobre Nyx, eu precisava visitar minha velha amiga, Katherine, a guardiã das histórias. Eu já sabia a ligação de que Ela com Lilith, mas aquilo não era o suficiente. Precisava descobrir o porquê do ataque ao palácio e quem prendeu Nyx.
Depois de acalmar as coisas no Palácio e orientar as fadinhas a como agirem em minha ausência, voei o mais rápido que pude para a vila de Santoff Claussen, um refúgio criado por um mago chamado Ombric Shalazar, o guardião da magia. A vila ficava numa enorme cratera na floresta do leste da Sibéria e era o lar de vários órfãos como Petter, Fog, Will, Sascha e Katherine, que foi adotada por Ombric quando era bem pequena. A única coisa que eu não gostava em Santoff eram as proteções.
Para chegar à vila, você tinha que passar por uma cerca de samambaias com centenas de metros de altura, que possuía espinhos tão afiados como lanças. Depois disso você tinha que pedir passagem a um grande urso preto chamado BB, que era o guardião da aldeia. Em seguida você tinha que convencer os enormes carvalhos que cercavam a vila de que você era uma pessoa de bem, caso o contrário eles levantariam suas raízes e te puxariam para debaixo da terra. Para finalizar, havia o Espírito da Floresta, que tentava os invasores com riquezas, para descobrir se eles tinham bom coração. Só depois de passar por isso tudo, você poderia entrar em Santoff Claussen que ficava localizada na Big Root, uma enorme e magnífica árvore cheia de janelas e que ultrapassava qualquer tipo de arranha-céu quanto o assunto era tamanho.
“Katherine!” Gritei me aproximando da entrada da árvore.
Um enorme ganso saiu de dentro da árvore vindo na minha direção. Era Kailash, a gansa de Katherine.
“Calma, Kay.” Pedi erguendo a mão e fazendo a gansa parar a centímetros do meu rosto. Sorri e fiz um carinho no pescoço dela, que bateu suas longas asas e reduziu seu tamanho para o de um ganso quase normal. “Então, cadê a Kathe?”
Kailash soltou um grasnar animado e correu para dentro da árvore. Eu a segui, passando pelo enorme hall de entrada e subindo pelo elevador que havia no centro da árvore. Paramos no último ‘andar’ que era uma espécie de biblioteca com sala de estar, observatório e atelier. Havia uma lareira com duas poltronas e algumas estantes de livros cobrindo as paredes, que tinha belíssimos desenhos pendurados nos espaços livres. Um telescópio estava posicionado numa bela sacada e havia uma escrivaninha entre duas estantes. Nela Katherine estava sentada, escrevendo alegremente no seu livro de histórias, que mostrava o passado e podia revelar o futuro. Pendurado nas costas da cadeira estava seu inseparável casaco de pele amarelo.
“Olá, Tooth.” Katherine me cumprimentou sem tirar os olhos do seu trabalho.
“Você sabia que eu viria?” Perguntei sorrindo e a garotinha riu.
“Eu suspeitava.” Katherine deixou a caneta de lado e se levantou, correndo até mim e me dando um abraço. “Senti sua falta.”
“Eu também.” Confessei, apertando a garota.
Katherine riu e se afastou de mim, me permitindo vê-la melhor. Ela ainda usava seu vestido bege de mangas compridas e botões pretos, meias calças brancas e sapatinhos pretos iguais aos de uma boneca. Katherine não crescera nenhum centímetro e continuava mais baixa do que eu, congelada em seus doze anos. Seus cachos ruivos estavam soltos e batiam em sua cintura. Seus olhos cinzas pareciam estar mais maduros e brilhavam de empolgação, enquanto me analisavam da cabeça aos pés.
Katherine riu e se afastou de mim, me permitindo vê-la melhor. Ela ainda usava seu vestido bege de mangas compridas e botões pretos, meias calças brancas e sapatinhos pretos iguais aos de uma boneca. Katherine não crescera nenhum centímetro e continuava mais baixa do que eu, congelada em seus doze anos. Seus cachos ruivos estavam soltos e batiam em sua cintura. Seus olhos cinzas pareciam estar mais maduros e brilhavam de empolgação, enquanto me analisavam da cabeça aos pés.
“Você tem algo diferente. Aconteceu alguma coisa?” Katherine perguntou, andando em torno de mim, tentando notar a diferença.
“Achei que você soubesse de tudo.” Brinquei e Kathe riu.
“São eventos demais para só uma escritora.” Ela disse voltando a sua mesa. “Você sabia que Jack Frost e Rapunzel Corona estão namorando oficialmente?”
“Não, mas você sabia, não é?” Questionei e Katherine me lançou um sorriso travesso. Como ela era a guardiã das histórias, era seu dever escrever sobre as aventuras dos guardiões e as coisas importantes da vida deles.
“Pergunte logo o que você quer perguntar, Tooth. Eu sei que você não veio aqui para provar a sopa do Ombric.” Katherine brincou, encostando-se a sua mesa e remexendo nos papéis.
“Tenho que confessar que amo aquela sopa. O caldo é extremamente delicioso.” Comentei apoiando a mão no queixo.
“É, mas o motivo da sua visita é outro...” Katherine remexeu nos papéis e suspirou. “Você veio investigar o passado de Nyx...”
“Exatamente.” Confirmei voando até a garota que segurava um desenho perfeito da Lady das Trevas. “Acho que você sabe o porquê de eu querer isso.”
Katherine meneou com a cabeça.
“Eu vou te ajudar. É melhor nos sentarmos.” Ela gesticulou para uma das poltronas próximas da lareira.
Sentei-me em uma poltrona e Katherine na outra, apoiando seu grosso livro em seu colo. A capa dele era de couro vermelho e tinham um G gravado em seu centro. Para outras pessoas lerem o livro, iriam precisar da permissão de Katherine, caso o contrário, as palavras desapareceriam e o livro se trancaria magicamente.
“No princípio o mundo era dominado pelo caos, até que a ordem surgiu e resolveu separar a luz e as trevas. A luz foi dividida em duas partes: a primeira era representada pelo sol e teve como sua guardiã uma doce fada chamada Clarion. A segunda era representada pela lua e teve como guardião um jovem czar chamado Frederick. Para guardar as trevas, a ordem escolheu uma grande feiticeira chamada Nyx, que foi a única pessoa que se mostrou capaz de dominar o mal da noite. Luz e Trevas, ao serem separadas, partiram para mundos diferentes, para não se misturarem e incitarem o caos.” Katherine virou a página do livro e continuou:
“O tempo passou e as forças se tornaram impossíveis de se controlar sozinhas. Os guardiões originais decidiram dividir seu poder entre aprendizes, que seriam pessoas de extrema confiança. Entre eles escolheram líderes e foi assim que Apolo, Nigthligth e Breu ganharam os poderes primordiais, formando a segunda geração dos guardiões. Cada um dos líderes ajudou seu mestre, organizando da melhor forma seus poderes.”
“Nyx vivia num plano conhecido como mundo negro, habitado por vários filhos da noite, feiticeiros iguais a ela. Ao receber os poderes, ela o dividiu para seus irmãos e escolheu o jovem Breu para seu pupilo. Nyx era temida e respeitada de seu mundo, porém ela queria mais que isso. Numa tentativa falha ela tentou passar para o mundo da luz, porém foi impedida e aprisionada por Clarion e Frederick. A presença dos dois guardiões causou um eclipse mortal no mundo negro e acabou gerando a sua destruição total. Os guardiões do Sol e da Lua viram que juntos poderiam causar grandes tragédias, por isso resolveram se separar para sempre. Centenas de anos depois, eles escolheram novos aprendizes para cuidar de outras propriedades de seus poderes e manterem o equilíbrio no mundo. Ainda chegará o dia em que os Filhos da Noite se reerguerão e tentarão libertar sua senhora. Quando isso ocorrer, os Filhos do Sol e os Filhos da Lua deverão se unir novamente para só assim acabar com as trevas de uma vez por todas.”
“Mas se eles se unirem vão acabar destruindo o mundo da luz.” Comentei preocupada. “E o mundo da luz é o nosso mundo!”
“Eles já se uniram a muito tempo e o nosso mundo continua mais perfeito do que nunca. Eles são diferentes dos seus irmãos. Possuem uma força que apenas eles conhecem.” Katherine fechou o livro com um baque e repetiu minhas palavras: “Uma força como nenhuma outra.”
“Não pode ser...” Falei me levantando. “Quer dizer que o The Big Four...”
“Está destinado a derrotar Nyx e destruir as trevas para sempre.” Katherine desviou o olhar para o fogo da lareira. “Eles são os únicos que podem fazer isso. Usando os poderes primordiais da terra e da luz eles derrubarão o equilíbrio e farão com que a ordem domine o mundo.”
“Mas tudo tem que ter um equilíbrio, Kathe.” Sussurrei baixinho.
“Nem tudo.” Katherine retrucou e se levantou. Ela levou seu livro até a mesa e se sentou, pegando sua caneta novamente.
Nyx estava voltando e apenas o The Big Four poderia impedir. Mais uma guerra seria travada, e segundo Katherine, ela seria a última de nossa história.
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