08. Torre do Mal
JACK
Breu era um solitário, ele só queria companhia.
Mor’du era um príncipe que destruiu seu reino ao buscar poder e acabou virando uma besta.
Morte Vermelha era o Rei dos Dragões e como tal queria o mundo.
E Gothel... Bom, Gothel era uma infeliz mal amada, que separou uma criança dos seus pais, condenando-a a ter uma vida cheia de medos, dúvidas e incertezas, apenas para usufruir do poder mágico dos seus cabelos. Dentre todos nossos inimigos ela era mais cruel, portanto devia ser eliminada, sem pensar duas vezes.
“Mas você devia estar morta...” Rapunzel sussurrou, ainda em choque.
“Pesadelos nunca morrem, minha flor.” Gothel retrucou com um sorriso a la serial killer.
“Disse certo. Você é um pesadelo e nada mais.” Afirmei, lançando um olhar duro para a criatura, então puxei Rapunzel para perto e sussurrei em seu ouvido: “Ela não é real, loira. È só um pesadelo atraído pelo seu medo. Não deixe que ele te assuste.”
Rapunzel assentiu, torcendo as mãos em torno de seu cajado e recompondo sua expressão. Por fora, ela parecia calma e confiante, mas por dentro estava morrendo de medo. Eu sentia isso; e o pesadelo também.
“Sabe por que estou aqui, minha flor.” Perguntou, dando um passo para frente, nos fazendo imediatamente recuar.
“Por que não sabe reconhecer uma derrota?”
O pesadelo me ignorou e deu mais um passo.
“Você veio por mim.” Rapunzel respondeu, num tom sem emoção.
“Sim.” Mais outro passo. “Eu vim buscar o que é meu.”
“Não há nada seu aqui, criatura.” Falei, usando meu novo dom para despertar a coragem ofuscada da loira. “Volte pro buraco imundo de onde saiu, antes que seja pulverizada.”
De novo um passo e um enorme iceberg para mim.
“Eu sou sua mãe, meu raio de sol. E só a mãe sabe o que é bom para você.” O pesadelo abriu os braços. “Venha cá e me abrace, minha querida. Estou sentindo falta do seu abraço.”
“Minha mãe?” Rapunzel piscou, como se não acreditasse no que ouvira. “Você não é minha mãe, criatura imunda. Nem mesmo chega ser a bruxa que dissera ser minha mãe. Você é um pesadelo. E só há um destino para sua raça: a queda.”
A loira girou o cajado e disparou um flash de luz dourada, atingindo o maxilar da criatura, que se desfez, revelando a poeira negra que tomava conta de seu interior. Juntos, avançamos para cima da coisa, que moveu as mãos para frente, nos atacando com escuridão.
Rebati as sombras com o cajado e lancei uma rajada de gelo na direção do pesadelo, que se protegeu com uma cortina de sombras e liberou um flash de luz negra ofuscando o raio dourado de Rapunzel.
A criatura gritou, nos atacou com poeira e luz negra, que começou emanava de dentro de si como respingos de tinta. Rapunzel fez valer seu titulo de protetora da criatividade, ao cravar seu cajado no chão e fazer um escudo de luz crescente, que passou a segurar e destruir a onde de ataques das trevas.
“Jack, chame o vento!” Rapunzel gritou, usando todas suas forças para manter o escudo amarelo.
“Por quê?” Perguntei, confuso.
“Luz”. Ela respondeu.
Confesso que demorei um pouco para entender, mas assim que vi a luz, gritei em plenos pulmões:
"Ai, ventu, vem nim mim.” "Ai, vento! Me ajuda!”
O vento atendeu meu pedido, destruindo as janelas da torre e trazendo o um frio tão intenso que chegava a ser doloroso. Mas não para mim, por que o frio nunca me incomodou. Energizado, desferi um ataque violento que saiu congelando a torre até chegar ao pesadelo e atingi-lo com força suficiente para congelar a Austrália. O ataque lançou a falsa Gothel para trás e o gelo a pregou na parede.
“Isso foi mais louco que a nevasca de oitenta e dois.” Comentei, apontando para o pesadelo-picolé.
Rapunzel sorriu, mas não com olhos. Estes haviam sidos tomados pela raiva. Ela caminhou até a criatura que permanecia viva sob o gelo.
“Eu não temo Gothel, nem a torre. Se acham que sou aquela garotinha ingênua de antes, estão enganados.” Disse, com a voz cheia de raiva. “As trevas me mataram, mas a luz me renasceu. Eu sou Rapunzel Corona, Guardiã da Primavera, protetora da criatividade e herdeira do trono de Corona. Não temo nada.”
“Tem certeza?” Questionou uma voz feminina, em dentro de nossas cabeças.
Por um minuto pensei que era Lilith ou a Lady do Sol, que ás vezes falava na mente de Rapunzel. Mas aquela voz gentil e agradável com resquícios de aspereza e desdém, não podia pertencer a nenhuma das duas. Era de algo mais velho, mais tenebroso.
“Todos temem algo. O medo, assim como eu, são coisas primárias. Nunca deixa de existir.”
“Você é Ela. A força que assombra meus sonhos.” Rapunzel sussurrou, com a respiração entrecortada. “Quem é você, afinal?”
“Cada pergunta a seu tempo, raio de sol. Se sobreviver, o que acho pouco provável, talvez saiba quem sou, quem fui e quem serei. Mas no momento, você deve se perguntar uma coisa: O que acontece com o mundo se The Big Four morrer?”
Rapunzel e eu nos entreolhamos. Então, entre uma respiração e outra, o gelo que envolvia o pesadelo se estilhaçou, emanado uma rajada de escuridão que nos lançou para longe. Ainda no ar, eu girei e me estabilizei, aterrissando meio agachado sob o gelo. Rapunzel não teve a mesma sorte. Ela caiu ruidosamente, batendo a cabeça com força e desmaiando no mesmo instante.
“Loira!”
O pesadelo me atacou com poeira negra, que estava mais fina e pontiaguda do que da última vez. Desviei dos ataques e estava correndo na direção de Rapunzel, quando algo enlaçou minha cintura e me puxou para trás. As trevas me engoliram e a última coisa que vi, foi o pesadelo se agachando ao lado de Rapunzel.
***
Há muito tempo não sentia frio, nem ficava com medo do escuro. Eu sabia que enquanto a Lua existisse, as trevas não poderiam controlar o mundo. Mas já havia luz para mim, só as trevas e um coro de sussurros inomináveis. Depois de tanto tempo sem sentir medo, aquilo era algo terrivelmente aterrorizante para mim.
Estava sozinho, com Rapunzel a mercê de um monstro. Meus amigos estavam longe, em outro tempo, e meu maldito cajado não obedecia aos meus comandos. As palavras dela ecoavam em minha mente, como insetos voando em torno da luz.
Afinal, o que aconteceria se não houvesse o The Big Four? pensei comigo mesmo. Breu não seria destruído, a natureza entraria em desequilíbrio e provavelmente essa Lady Dark Evil dominaria tudo. Os vikings seriam destroçados pelos escoceses, pois não haveria Merida e Soluço para apaziguá-los. Corona cairia, sem alguém para herdar o trono. Jamie deixaria de acreditar nos Guardiões e Lilith se uniria ao pai, para não sofrer sua ira.
O The Big Four era necessário. Mas será que venceria a batalha que estava por vir? Se Rapunzel e eu não conseguíamos lidar com um simples lacaio dessa Lady, imagina com um exercito dela? Éramos todos fracos e covardes, não tínhamos chances de vencer. Peraí, o que? Eu pensei mesmo isso?
Foi então que percebi, estava num Casulo de Medo. Da última vez, ele me mostrou a vida de Rapunzel morrendo, agora colocava pensamentos venenosos em minha mente.
Não dessa vez, idiotas! , pensei, evocando mais uma vez meus poderes.
O frio se tornou suportável, os sussurros foram abafados e a escuridão se foi, me devolvendo a visão. E eu não gostei do que via.
A torre estava totalmente monocromática. Um triângulo branco estava desenhado no piso negro, tendo Rapunzel deitada em seu interior com a cabeça apoiada no colo do pesadelo. Seus olhos estavam entreabertos e seus lábios tremiam. Seu lindo cabelo brilhava e sua pele emanava uma luz dourada, que fluía das correntes presas em seu pulso, para uma urna parecida com uma boneca russa.
Avancei para cima da criatura, mas o piso sugou meus pés, prendendo no chão. Gritei Rapunzel, mas foi o pesadelo que me fitou. Ele parecia um polvo, com cabeça redonda, olhos grandes, pescoço curvo e corpo fluido, como uma capa. Seus braços eram bem finos e seus longos dedos de varetas acariciavam o cabelo de Rapunzel.
Quanto mais a loira cantava, mais ele ficava forte e passava a ganhar uma forma mais humana. Interpretando aquilo como mau sinal, lancei uma rajada de gelo na direção dela, ou pelo menos tentei, por que nada saiu do cajado.
“Nem tente lutar.” Disse uma voz grossa e familiar. “Nossos poderes não funcionam aqui. Acho que os perdemos...”
“Norte?”
O guardião me fitou com os olhos tristes. Ele estava caído no canto da torre com as mãos atadas e uma corrente presa ao pé, deixando-o ligado as vestes do pesadelo. Suas roupas estavam cinzentas e os ombros caídos, como se estivesse sentindo todos os anos de vida.
“O que houve com você, cara? Por que você tá aqui?”
“Eles me pegaram, Jack. Pediram-me para escolher: Aliar-me as trevas ou ser escravo.” Norte deu um sorriso cansado. “Já deve imaginar o que escolhi, né?”
“Mas ainda hoje nos falamos... Tudo estava... bem.” Disse, piscando sem acreditar.
“Falou certo, menino. ‘Estava’. Se acha que um Guardião cativo é ruim, espere para vê-los.”
“Ver quem?!”
“Acho que Norte está se referindo a nós.” Ouvi a Fada dizer, mas sua voz estava fria demais para ser ela.
Virei-me lentamente, arregalando os olhos e perdendo a fala quando os vi. Sandman e a Fada do Dente pairavam atrás de mim, mas estavam longe de serem os Guardiões que eu conheci.
Sandman parecia ser um irmão perdido de Breu. Ele devia ter minha altura, trajava vestes negras e sua pele tinha ficado cinza escuro, como o céu do inverno. Sob seus pés havia uma nuvem de poeira que começava dourada e terminava preta, como se o sonho virasse constantemente um pesadelo.
A Fada era pior. Suas penas agora eram azuis escuras, pretas e vermelhas, combinando com seu par de olhos assustadoramente rubros. Ela tinha uma espada negra numa mão e trazia dentes ensangüentados na outra, como se tivesse arrancado-os diretamente da boca das criancinhas. Um pesadelo fantasmagórico com garras de corvo flutuava ao seu lado, ocupando o lugar de sua fadinha.
As palavras Bizarro e Assustador não poderiam chegar a descrevê-los.
“Olá, Jack.” A Fada me cumprimentou com um sorriso medonho, como se nada tivesse mudado.
“Jack, Jack, por que tanto medo? Estamos entre amigos aqui.” Sandman disse com a voz soando oca, como se estivesse tentando forçá-la a sair. Se era estranho vê-lo como Breu, era mais estranho vê-lo falando.
“Onde está o Coelhão?” Foi o que consegui perguntar, em meio ao choque.
A Fada fez um barulho de nojo e Sandman torceu o nariz.
“O traidorzinho teve o mesmo destino que os outros de sua raça.” Sandman respondeu-me com sua voz estranha, me dando calafrios. “Ele não será mais um problema.”
Aquelas palavras me afetaram de um jeito como eu nunca teria imaginado. Coelhão estava morto. O maldito canguru da páscoa estava morto.
“E você, Jack, querido. Se juntará as trevas ou definhará como Norte e o Coelhão?” A Fada perguntou-me, ainda sorrindo de modo perturbador.
“Me juntar as trevas?” Perguntei, confuso com a voz quebrada. “Achei que Breu tinha sido destruído.”
“As trevas são imortais, Jack. Breu se foi, mas elas ainda existem, assim como tudo que vive nelas.”
“E você pode fazer parte disso, meu amigo.” Sandman disse, soando igualzinho ao Breu.
Desviei o olhar para baixo, tentando acreditar que tudo não passava de um sonho. Que era só coisa dos meus piores pesadelos.
1° Eu estava no Mundo das Sombras e só um Filho da Noite podia ir para lá, a não ser que alguém tivesse me mandado.
2° Norte estava preso e ele era o tipo de cara que nunca se deixava ser preso.
3° Fada e Sand tinham virado uma dupla maligna. Tipo... quê?
4° Coelhão aparentava estar morto e todo mundo sabe que bichos ruins nunca morrem. Pesadelos são um ótimo exemplo disso.
“Sei que uma decisão difícil, mas você precisa nos responder, Jack. Está conosco ou contra nós?” Pressionou Sandman, flutuando para minha frente.
Notei que tinha sido cercado, ou seja, tinha que cooperar com ele até bolar um plano. Por que, por mais que aquilo fosse uma ilusão, eu ainda tinha sido preso.
“Isso depende. Se você me contar quem é Ela e o que estão fazendo com a loira, eu penso em entrar para seu grupo. Até lá, nada feito.”
“Rapunzel está doando suas forças para Nyx, nossa patrona. Ela é uma força antiga e primária. È a Guardiã das Trevas.”
“E o que ela quer?” Indaguei, mas Sandman me ignorou.
“Já respondi suas perguntas, qual é sua resposta?” Ele questionou, cravando seus olhos dourados em mim.
Fingi pensar e lembrei-me de uma coisa. No Mundo das Sombras não há nada, nem luz, nem emoções. No entanto a minha luz e a de Rapunzel ainda permaneciam acesas e eu ainda estava apavorado. O que só podia significar uma coisa: Aquilo tudo ainda era coisa do Casulo de Medo.
Perceber aquilo me deixou tão aliviado, que comecei a rir histericamente, como um daqueles loucos de hospício. Os Guardiões se entreolharam, murmurando alguma coisa entre si.
“Sério, Nyx? È essa a sua visão dos meus medos? Sand e Fada do mal, Norte derrotado e o Coelhão morto? Faça-me o favor! Até se Norte tivesse morrido... ai sim eu ficaria abalado. Mas o canguru? Quem se importa com o canguru?”
A torre tremeu e por um momento, os Guardiões assumiram sua verdadeira forma: carequinhas com pontas negras no lugar das mãos. De volta a forma dos Guardiões, os três avançaram em conjunto com armas em punho. Pela primeira vez na vida, fiquei feliz em estar calçado, por que o que ficou preso na escuridão foram às botas e não meus pés. Dessa forma, só foi preciso me inclinar e dar uma pirueta, para me livrar de dois coelhos com uma só cajadada.
Solto no ar, ataquei o trio com minha mistura de gelo luminoso. Fada e Sandman conseguiram se esquivar, mas Norte foi atingido e virou picolé de luz. A Fada girou ao meu redor e investiu contra mim com a espada, mas desviei a tempo, ganhando apenas um leve corte superficial. Mirei todo meu gelo nela e disparei, no mesmo momento em que a areia de Sandman envolvia meus membros e me puxava para baixo. Cai numa espécie de colchão de areia, que tentou me cobrir e me tragar de novo para escuridão. Por um breve momento, eu conseguir vencer aquela briga, gelando algumas partes da areia e lançando-a para cima da Fada e do Sandman. Porém, o fim, foi o mesmo. Trevas completas.
Mas agora eu estava com raiva. Não tinha idéia do que havia sido de Rapunzel e onde eu realmente estava. Minha raiva era tão grande, que eu podia destroçar uma horda de pesadelos, sem nem piscar. Resolvi usar isso como arma e cruzando os braços sobre o peito, canalizei toda a raiva que sentia para dentro de mim. Imaginei-a crescendo com uma fonte de energia poderosa e avassaladora. Então abri os braços.
Primeiro gelo, depois frio, vento, e então luz. Muita luz. Não a azul que eu produzia, e sim uma pálida e pura, como o brilho da lua cheia. Ela me cegou por completo, só que não me importei. Aquilo era puro, era bom. Era luz.
Aos poucos, ela foi se extinguindo, assumindo uma forma humana, até virar um garoto pálido, muito parecido comigo. Ele era da minha altura, devia ter uns dezenove anos, possuía olhos verdes, cabelos brancos compridos e carregava um cajado azul com uma ponta branca luminosa. Vestia uma armadura preta com cristais brancos e capa cinza. Carregava nos braços, quem fazia meu coração bater mais rápido.
“Rapunzel!” Gritei-a, fazendo-a sorrir para mim.
Ela estava fraca e cansada, como tivesse sugado suas energias. Quando o menino a pôs de pé, ela fraquejou e se agarrou em mim em busca de apoio.
“Jack... os pesadelos...”
“Não fale. Poupe suas energias.” Falei e me virando para o rapaz perguntei: “Hã, quem é você?”
“Sou Nightlight, Guardião da Lua.” Disse o rapaz em dentro da minha mente. “Não se preocupe, Jack. Nosso pai me enviou para buscá-lo.” Ele sorriu. “Tudo vai ficar bem.”
E por algum motivo, acreditei nele.
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